sexta-feira, maio 28, 2004

Na Sepultura Duma Criança

Antero de Quental

Feliz de quem passou por entre a mágoa
E as paixões da existência tumultuosa,
Inconsciente, como passa a rosa,
E leve como a sombra sobre a água.
Era-te a vida um sonho. Indefinido
E ténue, mas suave e transparente...
Acordaste, sorriste... e vagamente
Continuaste o sonho interrompido.

sábado, maio 22, 2004

Silêncio! O baile dos mortos
Vai agora começar!
Das tumbas surgem gigantes
Para o tremendo valsar...
Já soberbos se agitaram
Gênios que outrora habitaram
Neste mundo como nós;
Por seus cabelos poeirentos
Os vermes passeiam lentos
- Requintado adôrno atroz!... -

Carlos Ferreira, O Baile das Múmias (1867)

sexta-feira, maio 14, 2004

[Canção do Bêbado]

.
Na lama e na noite triste
Aquele bêbado ri!
Tu'alma velha onde existe?
Quem se recorda de ti?

Por onde andam teus gemidos,
Os teus noctâmbulos ais?
Entre os bêbados perdidos
Quem sabe do teu -- jamais?

Por que é que ficas à lua
Contemplativo, a vagar?
Onde a tua noiva nua
Foi tão depressa a enterrar?

Que flores de graça doente
Tua fronte vem florir
Que ficas amargamente
Bêbado, bêbado a rir?

Que vês tu nessas jornadas?
Onde está o teu jardim
E o teu palácio de fadas,
Meu sonâmbulo arlequim?

De onde trazes essa bruma,
Toda essa névoa glacial
De flor de lânguida espuma,
Regada de óleo mortal?

Que soluço extravagante,
Que negro, soturno fel
Põe no teu ser doudejante
A confusão da Babel?

Ah! das lágrimas insanas
Que ao vinho misturas bem,
Que de visões sobre-humanas
Tu'alma e teus olhos tem!

Boca abismada de vinho,
Olhos de pranto a correr,
Bendito seja o carinho
Que já te faça morrer!

Sim! Bendita a cova estreita
Mais larga que o mundo vão,
Que possa conter direita
A noite do teu caixão!